Esta crônica está publicada no livro abaixo:

Leonardo Daniel

Zélia Duncan

O deserto que atravessei

Ninguém me viu passar

Estranha e só

Nem pude ver que o céu é maior

Tentei dizer

Mas vi você

Tão longe de chegar

Mais perto de algum lugar

É deserto onde eu te encontrei

Você me viu passar

Correndo só

Nem pude ver que o tempo é maior

Olhei pra mim

Me vi assim

Tão perto de chegar

Onde você não está

No silêncio, uma catedral

Um templo em mim

Onde eu possa ser imortal

Mas vai existir

Eu sei, vai ter que existir

Vai resistir nosso lugar

Solidão, quem pode evitar?

Te encontro enfim

Meu coração é secular

Sonha e deságua dentro de mim

Amanhã, devagar

Me diz como voltar

Se eu disser que foi por amor

Não vou mentir pra mim

Se eu disser deixa pra depois

Não foi sempre assim

Tentei dizer

Mas vi você

Tão longe de chegar

Mais perto de algum lugar

Em “Catedral” temos uma profunda reflexão sobre os sonhos e sobre a vida, esta versão da Zélia Duncan é a minha música favorita... somente quem viveu a tragédia de um surto psicótico, sabe a profundidade que esta letra tem. Onde diante das portas da percepção temos que atravessar um deserto, de significações... uma travessia que só tinha a companhia dela, de Jesus e de Maria. É a visão de quem não ficou doente e “estranha e só/nem pude ver que o céu é maior”. E ele estava doente, ela tentou dizer isso a ele, mas ele inebriado de loucura estava longe... longe... longe... e:

Mais perto de algum lugar

Esse casal adâmico viveu uma tragédia, ela o buscou em um deserto e o encontrou – ele a viu passar, ela estava correndo e só... que a razão se perdeu nas tempestades do tempo. “Correndo só/Nem pude ver que o tempo é maior”. Ao vê-lo ela olhou para si mesmo, e, se viu assim: “Tão perto de chegar/Onde você não está”. Porque:

No silêncio, uma catedral

Um templo em mim

No templo o tempo vira eternidade. “Onde eu possa ser imortal”. O coração deles está a salvo, e vai existir... o coração deles está a salvo, e vai resistir. Vai resistir esse eterno e novo olhar. Mas veio a solidão, e quem pode explicar? Te encontro enfim... tão perto de mim, mas meu coração é secular... ele sonha e desagua dentro dele o amanhã que vai chegar bem devagar... mas que ainda não ensinou a ele como ser chamado.

Amanhã, devagar

Me diz como voltar

Foi por amor... que ele fez do surto um romance policial. Foi por amor que ele beijou... a lona... foi por amor que ele usou algemas... sim foi por amor...

E assim ele não vai mais mentir pra si mesmo. Se eu disser deixa pra depois... é porque não há como explicar esse mesmo surto a luz da razão... pois não há razão... e as tessituras são joias do altar dessa linda Catedral.

19/03/2024